O relógio

O relógio na parede, paira

Trêmulo, mudo, sou apenas um,

E esta névoa incessante,

A queimar-me a alma.

Este mundo de quimeras, desejos,

Amores incompreendidos.

Minhas mãos tremem, agora.

Pousam suavemente e dizem,

Coisas sem sentido, estas  mãos,

Minhas, de mais ninguém.

                                            Junho.11

Compaixão

Pingos d’água, estrelas cadentes

O sofrimento dos homens é um consolo,

Para aqueles que não nasceram.

Meu coração abre as portas da compaixão

Por todos, por alguém mais.

Um vulto passa através da porta

Fantasmas solitários passeiam pelo ar.

Hoje se comemora um funeral, choros

Deus se esconde de todos por mais um dia.

Talvez sejamos os últimos seres da criação,

Antes de o grande sonho acabar.

Heráclito, Parmênides, Epicuro

Estão  vivos outra vez, possibilidades.

Um homem passeia às margens do grande rio,

Algumas borboletas voam, alheias,

O sol grita em prantos, alguém soletra um nome

Milhares de sonhos acontecem esta noite,

Juntam-se aos sonhos de milênios.

Um grande arco-íris se forma no céu,

Diáfano, a chuva chega

Crianças brincam, formigas passeiam despreocupadas.

Com o que há de se ter, com o que poderiam ser.

O outono chega, triunfante,

As folhas caem, a madrugada é fria.

Um avião cruza os céus, um grande amor acontece

Sementes vagueiam pelo chão.

                                                     Junho.11

Olhos baços

Fiz um acordo com a vida

Esmorecido que me achavas,

Rondava minha alma a morte.

Nela via meus olhos baços

Algo como estrelas perdidas

Navegando por hoje e sempre.

Dei-me conta de você então

Algures, partia meu coração

                                              Junho.11

Pensei ouvir tua voz

Era noite, fria, longa

O relógio marcava onze horas

Pensei ter ouvido tua voz.

Quantas estrelas no céu, refleti

Os poucos momentos que vivi,

Em breve seria uma nota musical

Soando por entre lacunas,

Enquanto abutres

Sobrevoariam meu túmulo

                                            Junho.11

Deixar acontecer

Deixar acontecer

Ser apenas um

Sonhar, não ver

Nem precisar, você.

Teus olhos dizem

Mais do que preciso,

É o amor

Caminhando a passos lentos...

                                                  Junho.11

Caravana semimorta

O menino olhava o céu, aguardando uma mensagem,

Mas ora direis ouvir estrelas?

Enquanto eu sonhava algo anormal e até mesmo imoral,

Me acordaram com os barulhos de mais um dia.

Puxa! Como estava bom o sonho, deixa ver se me lembro ...

Não dá mais , misturam-se às  imagens, ruídos infernais.

Ao me calar, um cão ladra , e a caravana dos mortais paira,

Já não sei se sou o cão que ladra ou um grão de areia.

São quase meio dia, calço as meias e meus pés sorriem,

Imagino a terra onde germinei, flutuando  no espaço vazio

E tudo o que consigo é um arroto matinal.

Meu coração frui deste sangue já gasto e sem cor,

Serei eu uma mácula no Universo errante,

Terá aquela estrela consciência de si própria?

O menino que olhava o céu, morreu na véspera

Pois logo noutro dia havia lá a mensagem,

Que algum poeta deixou escrita nas nuvens...

Poucos conseguem compreender, o cão ladra

A mesma caravana paira semimorta ,

E no recôndito de mim mesmo, permaneço.

                                                    jun.11

Havia uma cratera

Havia uma cratera em meu peito

Quando então, subi os degraus

Para te ver melhor, linda, nua.

Inúmeras estrelas cantavam no céu,

A mesma canção que você ouve agora.

Um ar morno pairava sobre a cidade,

Respirações lentas e pausadas,

Podiam-se ouvir em cada lar, em cada peito.

Bibelôs se moviam sorrateiramente no escuro,

Como se fossem anjos despertos.

E no outro lado da cidade, o último trem

Partia, levando as últimas esperanças.

Sorvi o último trago e deixei-me prostrar,

Perante uma plateia muda, incerta

Que não enxergava a cratera aberta.

                                                         Jun.11