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terça-feira, 29 de março de 2011

Memórias de Elias ou O enigma da Senhora Odete


Desde cedo aprendi em minha terra natal ,Santa Ana, que os senhores feudais cheiram a bode. Na escola primária, a minha professora " Odete “, de óculos enormes e cabelo amarrado em coque, repetia e fazia com que repetíssemos em voz alta a seguinte frase: - Bode, político e os feudais têm uma única diferença entre si! - a localização dos chifres! - Confesso que não entendia na época esta comparação e hoje a entendo menos ainda. Depois de alguns anos acabei encontrando-a novamente, eu agora cursando  o ginásio; Logo a reconheci, pelos óculos enormes e os mesmos cabelos amarrados em coque! – Olá Josias, – disse-me ela, sempre confundindo o meu nome que era e acho que continua sendo Elias; Após trocarmos rapidamente umas palavras, pois uns amigos me esperavam do outro lado da rua, fazendo uns sinais do tipo “ Olha só o Elias, de gracejos com a Tiazona!”, estava a me despedir quando a Odete me pegando de surpresa diz – Repita em voz alta, “bode, político e os feudais tem uma única diferença entre si! A localização dos chifres! Apesar de eu não ter mais nenhum vínculo escolar com a Senhora Odete, talvez por respeito, ou até por um pouco de medo, repeti a frase, o que me custou gozações pelo resto do ano.Encontrei a senhora Odete ainda no dia da colação do segundo grau, hoje chamado ensino médio; Acho que talvez ela lá estivesse a convite da direção da escola ou quem sabe acompanhando algum familiar; A verdade é que quando chegou a minha vez de receber o diploma, a senhora Odete acabou me reconhecendo e para meu espanto e também de todos os presentes, subiu ao palco, me abraçou e em seguida bradou: - “Bode, político e os feudais tem uma única diferença entre si! –A localização dos chifres! 
Enquanto a plateia caía na gargalhada, a senhora Odete olhava   para mim com os mesmos olhos de outrora e nem preciso lhes dizer que acabei repetindo a frase, debaixo de risos intermináveis de todos os presentes. Acabei me retirando rapidamente do recinto e fiquei sem sair de casa por um bom período . Dia desses, “eu já com meus quarenta e tantos anos”, estava descendo a ladeira General Carneiro, no centro de São Paulo ,onde tinha ido comprar um tênis de marca, falsificado, em uma daquelas bancas de camelôs, que ao invés de nota fiscal lhe dão um cartão sem endereço fixo e um telefone celular para contato, quando eis que vejo subindo em direção contrária “a senhora Odete”, com seu velho coque amarrado no alto da cabeça, visivelmente acabada e envelhecida, caminhando com muita dificuldade, absorta no mundo da lua, ou sei lá, talvez no mundo dos espíritos, quando me olha de relance e me reconhece. –Como pôde me reconhecer após tantos anos? - pergunto-me; “Acho que pelo mesmo motivo de eu a ter reconhecido também”. Estendeu-me a mão gélida e enrugada, desta vez sem o abraço de sempre, me olhou nos olhos e pasmem, recitou a velha frase, lenta e pausadamente, agora em um tom que nem eu consegui ouvir direito; Olhou-me nos olhos, como que ditando a mesma ordem de outrora e, após alguns segundos, como  eu nada dissesse, continuou a sua caminhada, visivelmente abatida e triste com a minha reação; Percebi naquele momento  que não havia mais vínculo algum entre eu e a senhora Odete, comprei meu tênis que acabou descolando por inteiro após 28 dias e que não consegui trocar, pois não mais encontrei o vendedor. Passados alguns meses  do ocorrido, vejo estampado em um jornal sensacionalista a foto da Senhora Odete com a seguinte notícia: - “Vóvó octogenária encontrada morta em uma praça, com requintes de crueldade e ao lado do corpo uma cabeça de bode e a seguinte frase: -“Vá com seu bode, que nós prosseguimos adiante”. A polícia não entendeu a mensagem, ninguém entendeu a mensagem, apenas eu consegui decifrá-la, “em parte”, mas confesso que fico acordado noites inteiras tentando achar a diferença entre bode, político e feudais.
                                                                           Março.11

sexta-feira, 11 de março de 2011

Da condição humana

 




Talvez fosse melhor não reconhecer nossas insuspeitas fraquezas, pois o que diriam os Deuses, já mortos agora?
-Calem-se de vez por todas, vossas falas são como alfinetes que perfuram meus tímpanos e vossos atos me enchem de miséria e lassidão.
-Melhor seria ser destituído de razão, pois razão alguma tem a melhor fórmula; Malditos vermes que roem-me os ossos enquanto ouço o cortejo da morte que passa e zomba de mim.
-Vossas faces pálidas posam neste círculo de misérias, sois a própria alegoria de um enredo escrito a oito mãos.
-Lavar-me-ei no puro sangue dos que tombaram nas guerras de outrora e meus soluços não terão sido em vão.

                                                                        Mar/11

terça-feira, 8 de março de 2011

O Grande Dia

   


             
              
               I
 SOBRE UM POEMA

Não há mais tempo para sonhar
Talvez a realidade exista
O que importa?
Todas as palavras que pronunciei,
Se somadas fossem
Formariam um Universo
Universo de vagas ideias.
Pois é isto, tudo o que fiz,
Perdi-me em atos sem razões
Tentei o que todos sempre tentam,
Joguei o jogo
Da grande ilusão.

              II
    DOS ERROS

Errei, errastes, erramos
O verbo máximo.
Criamos enigmas
Fomos certos e caímos
Nas malhas da tentação.
Tudo poderíamos
Mas fomos apenas verbos,
Sem formas ou razão.
Errei em pensar
Errei em amar
Errei em acreditar
Que por detrás de cores e formas
Pudesse germinar

               III
        DO CAOS

O Caos
Nada mais é
Do que movimento
Movimento que leva
Ao Caos.
O Caos
Pede passagem sempre
Por entre paredes e
Buracos anais

              IV
       DA FAMÍLIA

Formam-se pares
Criam-se enlaces
Para gerar
Novos pares
E novos enlaces...
Então, sob leis
Vagas e cômicas,
Nos prendemos ao grande muro
No qual ouvimos
Lamentações eternas.

                     V
SOBRE POETAS E CANTORES

Sob a dor, geramos
Frases desconexas,
Ante o poder, pensamos
Não haver fim.
Se amamos, rimos ou choramos
Rimamos verbos,
Para enganar
A quem nos ouve.

              VI
         AO FIM

Cervejas, cigarros, carros
Que passam, passam, sem fim.
Embalagens, línguas, roupas,
Que nos deixam nus.
Chuva, asfalto, espera,
Ou Cristo seria
A própria razão de não se tentar,
Jamais.
Pois, enfim, míopes ou diabéticos,
Acabamos o dia
Em frente à TV.

                                   Jan.2001


domingo, 6 de março de 2011

Sobre os conceitos desta louca vida

Tínhamos quase a certeza de que sairíamos vencedores
Mas a qual batalha me proponho agora?
Será a vida feita de artifícios, provaremos o gosto da desonra, do descaso,ou pisarei nas tuas memórias para todo o sempre?
Ficaríamos ébrios, o Universo seria todo nosso, projetos futuros, noites inteiras de sensações alegres e festejadas às vezes com lágrimas de amor. O amor que nos engana, mas a vida continua , não teremos outra chance,nem seria  justo pensar em derrota ou vergonha, não é justo pensar em justiça, pois Deus nem sempre é capaz de sair do quadrilátero cósmico para nos explicar sobre buracos negros, sóis, planetas em órbita, noções de quântica, - como deve ter se desiludido Einstein -, quando percebeu que a vida lhe escapava por entre as mãos, porque Deus não o reteve por mais alguns séculos terrenos, porque Deus não me deu oportunidades para entendê-lo?, porque a rotina burra dos homens teima em me consumir, porque tenho que ligar a tv tola, porque não posso cuspir no prato que me dão, porque não posso dançar a dança dos imortais nem tê-la esta noite?
Enquanto estas lágrimas teimam em descer pela minha face sem cor, posso sentir os momentos vividos, tudo gira rápido agora e sempre, meu coração candente às vezes se confronta e afronta este corpo indolente, insatisfeito e final.
O que mais haverá de inusitado nestes anos que dão um toque final ao planeta que nos abrigou durante instantes, ah! As batalhas dos Gregos e Romanos, a sede por poder, a nossa arte escondida nas covas e infernos dos confins...
Se fui  um dia um sábio, quem seria o meu mecenas que sempre se escondeu de meus anseios e questionamentos? Por onde andarão os Deuses das batalhas remotas. Ah! Quanta mentira há no ar, qual o quinhão a  que temos parte nesta parte dos sonhos , nesta metafísica louca e vazia...
Mas a qual batalha me proponho agora?
Serão os ritos meros mitos, serão todas as formas de vida que dividem nosso lar, meras aparências, poderemos um dia sonhar novamente este sonho de desilusões e fraquezas ou o eterno nos consumirá para todo o sempre?
Tudo é tão falso e sem cor, as teorias sobre vida e morte, os teoremas, com seus Pitágoras esquecidos, as comissões e dirigentes, os partidos, as maneiras como vemos o mundo , tudo é tão vazio e destituído de qualquer razão, índios,
formigas, sorvetes, cinemas e artes, o ganhar o pão de cada dia “ que trágico seria se não fosse cômico”, deixem-me a sós agora ,pois a morte quer compartilhar comigo as suas façanhas na terra dos aflitos e feridos....
Meus antepassados não me ouvem, nem poderiam, pois o que lhes cabe agora é a eterna seqüência do calor das tumbas vazias e sem vida, cores cinzas, pobres de nós, nem pudemos nos deleitar com os manjares vindos dos sonhos sonhados quando crianças, estes foram consumidos pelas distrações tolas que nos alcançaram em tenra idade; O que importa o meio ambiente, somos parte deste local feio e fétido, o que importa a política, os esportes , a teologia e os sermões de Reis e Duques , enclausurados dentro de seus próprios poderes doentios, o que importa os julgamentos sobre Hitler, Mussolini, ou mesmo  sobre o pobre Sadam?... Jogos de poder e força, jogos pela sobrevivência dura e mesquinha, acabaremos por nos abater em um dia muito próximo, por uma mísera gota de água ou pelo petróleo que aquece o coração dos idiotas que circulam pela terra, mar e ares, numa furiosa busca pelo nada logo ali adiante, enquanto a terra gira, gira em movimentos de rotação e translação em uma velocidade estonteante, enquanto a mesma paspalhice toma conta dos corpos febris  em um grande tablado rodeado por feras e demônios imaginários ou não, que sugam-nos com a mesma violência com que vivemos nossos dias automatizados, repletos de consumismo; - “Diz-me com quem amas, e eu direi-te o quanto vale”, somos uma moeda de baixo valor neste dias hediondos, banais e banhado a orgias e disparates; Tenhamos piedade de nós mesmos, uma vez que Deus se apiedou de si próprio e transformado em um  cometa, desliza pelos ares nunca dantes navegados, quiçá, possamos ver ainda alguma estrela cadente.....oh!, façamos um pedido agora!
Do amor:
O amor pelo que me consta, nada mais é do que uma luta feroz para dar continuidade a nós mesmos, o amor não existe nem nunca existirá em nossos corações, somos pobres e podres seres em decomposição , tenhamos compaixão pelos nossos actos, e aguardemos a hora da morte, ingrata e triste. Depois dela, nem sonhos, nem paixões, nem diplomas, escolas, filhos ou comunhões, ..depois dela, nem mesmo uma única esperança de sair do torpor que nos deplora!
Somos vítimas e visitantes, tudo ou nada, ou mesmo o que poderia ser, somos jovens e distintos em  gostos, pensamentos, actos, vontades e em  tudo o mais que nos cerca;
Acerca das belezas naturais:
Por do sol – Uma bola incandescente que aparece e desaparece em um instante ilógico e que enche de êxtase o coração de jovens, perdidos em ilusões.
Cachoeiras – um curso de água que de repente não encontrando um caminho reto, despenca do alto de uma montanha qualquer, causando vislumbre em desafortunados seres que se perderam em suas próprias imaginações.
Montanhas – Acúmulo de terras que se formaram, por razões que não nos importa, e que nos dão a impressão de sermos pequeninos, “mais do que já somos”, montanhas que fazem o deleite dos poetas e apaixonados!
O mar – complexo    Se somos pura água, para que tanta comoção ao ver o mar? Não seria a mesma coisa nos comovermos e nos afogarmos quem sabe em um simples copo?
Pirâmides – São tantas as teorias sobre as pirâmides, civilizações inteligentes, extras terrestres, Deuses, e outras falácias mais..... o que importa agora, as suas formas e o seu conteúdo, viajar dentro de aviõezinhos  multicores para fotografar e cansar os pescoços de tanto olhar para o alto?

..Mas a qual batalha me proponho agora?
Não existem batalhas, nem razões para tal, apenas a sensação de pequenez e estas palavras vazias e destituídas de qualquer razão; somos loucos seres, precisamos de conforto, carinho e proteção, ansiamos pela vida eterna, cavalgamos no dorso de cavalos fantasmagóricos, tateamos às escuras, em busca do sexo, do dinheiro e do amor que nos conforta; Pensamos estar felizes, justo quando deparamos com a face da morte que nos diz que já basta este jogo de sedução, egoísmo, vaidades e sujeiras; E, enquanto ela não nos vem em definitivo, fazemos de nossos dias, verdadeiras proezas, navegamos do céu ao inferno várias vezes em um espaço de um dia, ocupamos nossas mentes invisíveis com planos, afazeres, amores, diversões, sonhos, labutas, traições, bebedeiras, orgias, e tudo que nos pertence por direito...
Esta noite é fria e um silêncio mortal vaga pelos quatro cantos do Universo; lá fora, pessoas perdidas em crendices e afazeres fugazes, não sei ao certo sobre filhos, netos ou sobre um ato de amor com você que se esconde mais e mais... de qualquer maneira até que não seria de todo mal, desfrutar de teus prazeres , nestes dias em que nada mais sei de mim, de você ou de todos nós.  
                                                                 março.2011
                                                                

quinta-feira, 3 de março de 2011

O Porco jardineiro



Um porco, certo dia, sabendo que iria morrer e ciente de que seu corpo viraria gordura e torresmo, resolveu construir um belo jardim.
Usou suas fezes adubando a terra, revolveu-a alguns dias e semeou então, rosas, orquídeas, jasmins, margaridas e begônias;
As chuvas vieram, depois o sol e finalmente a primavera chegou, fazendo florescer o mais belo jardim, nunca antes visto.
Todos que passavam por ali se admiravam e teciam elogios ao porco, que ficou então muito feliz e passou a sonhar todas as noites com “estrelas, porcos e nuvens”.
Chegou finalmente o dia de sua morte e o “homem”, implacável em sua fúria, cravou-lhe o punhal no coração; Naquela semana, todos se fartaram com carne e torresmo do “Porco Jardineiro”.     
                                                                                Março 2005

Por ti






Aonde vais? Mira agora a vida que lhe mostro
Febril, viva e vivaz!
Esta vida erecta, altiva, insensata
Dá-te vida, e te guarda.
Deste ângulo te vejo agora, de passagem
Me chama, se mostra  e me aguarda.
Longos anos, nova vida se prepara
Que virá no próximo verão.
Dos anseios, das loucuras
De todos os instantes que possamos relembrar,
És a vida que pulsa,impetuosa
Dentro do meu coração.
                                                                 Mar.11