musica

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O relógio



O relógio de parede anunciou 3  horas, com o velho passarinho de madeira, arrasado por cupins e pelo tempo, movendo-se lentamente portinhola afora, sem emitir, porém, o som típico dos cucos de madeira. Willian lembrou-se daquela manhã cinzenta na praça central da cidade, onde iria pedir em casamento aquela que seria mais tarde sua esposa. "Fazia frio, crianças agasalhadas brincavam pela grama ressecada, um velho senhor tocava uma gaita em dois ou três tons repetitivos, um balão vermelho e branco passou voando por ele, indo enroscar-se em uma árvore, de onde alguns passarinhos ensaiavam um tímido canto".
"Horas antes, tomara um banho, - ainda podia sentir o perfume do sabonete no ar - pusera o seu velho jeans já um tanto desbotado nos joelhos e na parte de trás, aquela camiseta estampando um desenho surreal, com silhuetas seminuas, arco-íris, pássaros com asas em forma de violões e seios e um rosto  maior com longas barbas e com a boca escancarada, de onde saiam notas musicais e flores".
Quanto tempo havia passado e agora, sentado na fila do meio, na cadeira do meio, no meio do cinema , enquanto aguardava o início do filme, tudo lhe veio à mente, tão nítido, tão calmas e reais as imagens, vagou os olhos para as poucas pessoas nas filas à sua frente, no momento em que a senhorita da segunda fila, à direita de um homem com ares de importante, óculos multifocais e um terno preto impecavelmente amassado, levantou-se e caminhou em direção à saída, olhando de soslaio para a grande tela empoeirada, de onde bailava o cuco, impávido e triste.
                                                            Fev.2013

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Café da manhã



Certa manhã um pernilongo cochilava sobre as rendas de uma cortina amarela, com flores enormes, de um quarto luxuoso com mobília do mais fino gosto. Um sol tímido despontava por entre as folhas de um enorme abacateiro, plantado talvez de propósito defronte ao quarto, na época em que a enorme casa fora construída; O idealizador do projeto, do plantio do jardim e do pomar, já descansava no cemitério da cidade, e era pouco lembrado, desde a sua partida. Em seu túmulo havia uma inscrição, que lembrava um poema de José de Alencar, um busto de Cristo em seu derradeiro sofrimento, já um tanto gasto pelo tempo e algumas luzes coloridas, já queimadas há anos, que foram colocadas ali a mando do próprio falecido, quando em vida e que outrora acendiam todo mês de dezembro, dando um certo ar festivo ao cemitério, talvez para lembrar aos que  já haviam partido, que era natal!
Da cozinha, vinha um cheiro delicioso de café, um som de chuveiro no andar de cima, uma TV ligada e a empregada terminando de por a mesa.
O inverno se fora, despontava a primavera, tímidos raios de sol adentravam agora pelas frestas das janelas semi-abertas.
O pernilongo continuava imóvel em seu cochilo, sobre a cortina.
                                                                                  Fev.2013

A serpente



Um dia, uma serpente, muito faminta que estava, resolveu que teria uma dieta vegetariana naquele dia, não tanto por razões éticas, mas mais por estar ficando com o corpo um tanto quanto inchado, de tanto engolir sapinhos, pássaros, peixes e outras criaturinhas.
Foi rastejando mata adentro, até que encontrou uma macieira, repleta de frutos; E eram tão lindos que ela até se lembrou daquele pecado capital do qual os homens falavam sempre. Então eis que começou a chover e a serpente, resolveu se abrigar em um buraco ali perto, que por sinal era a toca de um porco espinho.
O pequeno porquinho ficou assustado com a serpente e soltou dezenas de espinhos que foram se cravar na pele da serpente, que de tanta dor, saiu em disparada pela relva, só parando quando o dia amanheceu.
Dizem as más línguas que a velha serpente nunca mais quis saber de maçãs.
                                                            Jun.2011

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Velho Casarão, ratos, pastores





Em um sótão abandonado de um velho casarão estilo colonial, vivia um rato cujo nome era Oscar; Pelos finos, brilhantes, olhos vívidos e uma boca pequena enfeitada por lindos bigodes.
Oscar saia todas as noites para procurar seu alimento e também para tomar a brisa noturna, olhar o céu e meditar sobre sua própria existência.
Próximo dali, uma família fazia sua ceia habitual, uma mesa repleta das mais variadas guloseimas; Oscar sabia que o casarão em que vivia em breve seria demolido e que teria dificuldades em conseguir nova morada... sentia saudades de seus pais, mortos pela ingestão de iscas, colocadas propositadamente próximo de onde moravam, por aqueles gigantes de roupas escuras, com suas botas pesadas e cheirando a morte.
Restaram ele e mais nove irmãos, seis esmagados pela botina do homem gordo e suado, dois afogados na enorme bacia branca do banheiro do casarão e “Nicolas”, o último, e o mais franzino de todos, servira de alimento a um velho gato cinza que, volta e meia por ali aparecia.
Era época de natal, luzes eram colocadas nas grades e nas pobres das árvores dos enormes edifícios; Oscar ficava encantado com tantas luzes e com o imenso colorido, piscava os pequenos olhinhos e ficava imóvel por um longo tempo, observando os carros, as pessoas apressadas, faróis, vozes, luzes!!!
Jamais compreenderia o porque de tantas luzinhas coloridas piscando, o porque de não deixarem as árvores dormirem em paz....
“Aleluia!” gritou o pastor, e seus fiéis em coro repetiram “Aleluia Senhor!”
A igreja estava cheia naquela noite, toda sexta feira era assim, jovens, velhos, crianças compareciam em peso para o louvor da noite e para ouvirem o sermão do pastor Jesivaldo.
Naquela noite, Jesivaldo falou sobre a mulher adúltera, do casamento, da união estável, de Jesus e sua célebre frase “Que atirem a primeira pedra”. Muitos ouviam atentamente, principalmente os que sentavam mais à frente.
Lá no fundo, cochichos, cochilos, bocejos, crianças cansadas e resmungonas, um verdadeiro embate entre Deus e o Capeta.
Em breve as máquinas dariam início à demolição do velho casarão.
                                                                                               Fev.2013